Parecer do Ministério Público (MP)
Exmos. Srs. Drs. Juízes de Direito do Tribunal
Administrativo e Fiscal de Beja
Os Magistrados do Ministério Público vêm junto deste Tribunal, nos termos do Número 1 do Artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), do Número 2 do Artigo 85.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e do Artigo 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), apresentar a V. Exas. o presente parecer sobre o processo n.º x, nos seguintes termos:
Compete a este órgão fiscalizar o cumprimento das leis e da CRP pelas decisões proferidas pelos Tribunais; também no Estatuto do Ministério Público, constante da Lei N.º 68/2019, se determina que compete ao MP defender a independência dos Tribunais, nas áreas das suas atribuições, e velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis, nos termos do Artigo 4.º/1 da Lei N.º 68/2019.
Vimos assim dar o nosso parecer no processo sub judice, nos termos da competência que nos foi outorgada pelo Artigo 63.º/1, alínea a) da Lei N.º 68/2019.
Apreciando
1. Do Pedido
O presente pedido de parecer consubstancia-se em duas questões que respeitam a diferentes materialidades.
A primeira delas tem a ver com a emissão de uma declaração de reconhecimento de interesse público efetuada pelo Município de Grândola, que afastou a suspensão automática das obras, antes existente, na sequência da providência cautelar interposta pela Associação ambientalista “Dunas Sem Betão”.
A segunda delas tem a ver com a avaliação de impacto ambiental, necessária quando se trate de um empreendimento numa Zona Especial de Conservação, ao abrigo da Directiva Habitats.
2. Análise
2.1. Dos Factos:
1.º
Foi interposta uma providência cautelar pela Associação ambientalista “Dunas sem Betão”, o que levou à suspensão automática das obras.
2.º
Posteriormente, o município de Grândola emitiu uma declaração de interesse público, afastando a suspensão automática das obras.
3.º
Assim, iniciaram-se as obras de construção da “Viva Verde entre as Dunas”, um empreendimento turístico privado, localizado na praia de Troia.
4.º
O empreendimento “Viva Verde entre as Dunas” foi qualificado como um empreendimento de Potencial Interesse Nacional (PIN).
5.º
Todas as desmatações e movimentações de terras já foram efetuadas.
6.º
As coimas impostas pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo foram arquivadas, devido ao facto referido no número anterior.
7.º
O empreendimento “Viva Verde entre as Dunas” foi aprovado sem avaliação de impacto ambiental.
8.º
O empreendimento “Viva Verde entre as Dunas” está situado numa Zona Especial de Conservação, ao abrigo da Directiva Habitats.
2.2. Do Direito:
9.º
A competência para aprovar as licenças de construção pertence à Câmara Municipal, nos termos do Artigo 2.º/1 e 1.º/1-a) do Decreto-Lei N.º 445/91, de 20 de novembro.
10.º
A legitimidade para o requerimento de providência cautelar para a suspensão da obra é referida nos Artigos 112.º/1, 55.º/1-a) e 9.º/2 do CPTA.
11.º
No conflito em questão, a providência cautelar em causa é o embargo de obra nova (Artigo 112.º/2-g) do CPTA) que segue a tramitação prevista no Artigo 114.º do CPTA.
12.º
Nos termos do Artigo 128.º CPTA “(…) a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.”
13.º
A divisão administrativa do Estado compreende as autarquias locais, de acordo com o Artigo 235.º/1 da CRP, e estas “visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas".
14.º
Os municípios pertencem ao conjunto de órgãos das autarquias locais, nos termos do Artigo 236.º da CRP.
15.º
Nos termos do Artigo 4.º do Código do Procedimento Administrativo e Artigo 266.º/1 da CRP, compete aos órgãos da Administração Pública prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
16.º
No seguimento da decisão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 030183, “estando toda a atividade administrativa subordinada à prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art. 266º, n. 1, da CRP), a discricionariedade não se traduz na "escolha livre" pela Administração de uma qualquer de entre as várias soluções "indiferentemente admissíveis", mas antes na escolha, de entre as várias soluções que a lei abstratamente previu, daquela que substância, no caso concreto, a melhor e mais oportuna solução jurídica do ponto de vista do interesse público”.
17.º
Relativamente à existência de interesse público, o Artigo 9.º/1 da Lei da Avaliação do Impacto Ambiental configura que cabe à comissão de avaliação, em função da natureza do projeto, avaliar os potenciais impactos ambientais.
18.º
Nos termos do Artigo 128.º do CPTA “(…) a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.”
19.º
Consoante o seu valor relativo, os bens imóveis de interesse cultural podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
20.º
O reconhecimento de um projeto de investimento com o estatuto de Potencial Interesse Nacional (PIN) visa assegurar um acompanhamento de proximidade pela Comissão Permanente de Apoio ao Investidor de todos os licenciamentos, autorizações ou aprovações da competência da administração central e local que sejam necessários obter para a concretização do projeto, permitindo a superação de eventuais bloqueios administrativos por forma a garantir uma resposta célere.
21.º
Um bem considera-se de interesse público quando a respetiva proteção e valorização represente ainda um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de proteção inerente à classificação como de interesse nacional se mostra desproporcionado.
22.º
O procedimento administrativo de classificação de um bem imóvel é instruído pela DGPC, em articulação com as direções regionais de cultura, mas pode ser iniciado a requerimento de qualquer pessoa ou organismo, público ou privado, nacional ou estrangeiro, ou seja, do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias locais ou de qualquer pessoa singular/ coletiva, dotada de legitimidade, nos termos gerais.
23.º
A classificação de um bem como de interesse público reveste a forma de portaria.
24.º
Esta matéria encontra-se regulada na Lei de Bases de Proteção do Património Cultural, aprovada pela Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, e no Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, que estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime jurídico das zonas de proteção e do plano pormenor de salvaguarda.
25.º
O Artigo 1.º/1 do Decreto-Lei 151-B/2013, de 31 de Outubro estipula o âmbito de aplicação da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).
26.º
No âmbito da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), este é um instrumento de carácter preventivo da política de ambiente que garante que são estudados e avaliados os potenciais efeitos no ambiente de determinados projetos.
27.º
A AIA aplica-se aos projetos públicos e privados que sejam suscetíveis de produzir efeitos significativos no ambiente, tendo em vista concluir sobre a sua viabilidade ambiental.
28.º
Esta avaliação tem como objetivos, nomeadamente, avaliar, de forma integrada, os possíveis impactes ambientais significativos, diretos e indiretos, da execução dos projetos e das suas alternativas, tendo em vista suportar a decisão sobre a viabilidade ambiental dos mesmos; definir medidas para evitar, minimizar ou compensar esses impactes, promovendo decisões ambientalmente sustentáveis; instituir um processo de verificação, a posteriori, da eficácia das medidas adotadas, designadamente, através da monitorização dos efeitos dos projetos avaliados e garantir a participação pública e a consulta dos interessados na formação de decisões que lhes digam respeito, privilegiando o diálogo e o consenso no desempenho da função administrativa.
29.º
A Rede Natura 2000 é uma rede ecológica europeia que resulta da aplicação de duas diretivas comunitárias distintas — a Diretiva Aves e a Directiva Habitats.
30.º
A Rede Natura 2000 engloba as áreas classificadas como Zonas Especiais de Conservação (ZEC) e as áreas classificadas como Zonas de Proteção Especial (ZPE).
31.º
A Diretiva Habitats tem por objetivo a conservação da biodiversidade, através da manutenção dos habitats naturais e das populações das espécies da fauna e da flora selvagens identificados na referida diretiva.
32.º
A Directiva Habitats prevê que cada estado membro da União Europeia proceda à delimitação dos sítios da lista nacional, a partir dos quais os órgãos competentes da União Europeia selecionam os sítios de importância comunitária.
33.º
Após a seleção dos sítios de importância comunitária, cada estado membro tem que os classificar como Zonas Especiais de Conservação (ZEC) através de Decreto Regulamentar.
34.º
A inclusão, a exclusão ou a alteração de limites de um sítio da lista nacional de sítios é aprovada por Resolução do Conselho de Ministros, mediante proposta do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P.
35.º
Os sítios de importância comunitária são publicitados através de Portaria do respetivo Ministro responsável pela área da conservação da natureza, e, no prazo de seis anos a contar da data do seu reconhecimento, serão classificados como zonas especiais de conservação (ZEC), mediante Decreto Regulamentar.
36.º
Uma Z.E.C. é um sítio de importância comunitária no território nacional ao qual são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou para o restabelecimento do estado de conservação favorável dos habitats naturais ou das populações das espécies da fauna e flora selvagens para as quais o sítio é designado.
Concluindo
O Ministério Público, quanto à questões convocadas, conclui que:
Havendo sido suspensa a Licença Ambiental para a construção de um Empreendimento Turístico, em nome de uma Declaração de Potencial Interesse Nacional (PIN), avança-se, desde já, que tal afastamento foi feito de forma indevida.
O projeto em causa, por não reunir os requisitos necessários, não deveria ter sido qualificado como de PIN, na medida em que um empreendimento turístico numa zona específica do país não determina qualquer valor cultural de importância nacional.
Ainda, não podia ter sido dispensada a Avaliação de Impacto Ambiental, estando em causa uma Zona Especial de Conservação, nos termos da diretiva Habitats já referida.
Determina-se, assim, a invalidade do afastamento da suspensão da Licença Ambiental para a construção do empreendimento, pelo que não se poderia proceder a quaisquer atos de concretização do projeto, pois este, sublinhamos, não se encontrava, à altura, verdadeiramente autorizado, visto encontrar-se suspensa a licença inicial.
Os Procuradores da República,
Ana Rita Veredas (aluna n.º 62865)
Beatriz Cunha Brito (aluna n.º 68439)
Carlota Catarino (aluna n.º 62989)
Carolina Veiga Henriques (aluna n.º 62667)
Sara Aguiar (aluna n.º 62866)
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