Breve comentário relativo à decisão do Comité dos Direitos Humanos no caso Ioane Teitiota

 

A presente decisão foi proferida pelo Comité dos Direitos Humanos da ONU em virtude de uma ação proposta por Ioane Teitiota, cidadão do Kiribati, contra o Estado da Nova Zelândia, a pedir a revisão da decisão de recusa do reconhecimento do seu estatuto de refugiado climático, proferida pelo Tribunal de Imigração da Nova Zelândia, com o fundamento de que a situação do autor não estaria abrangida pela Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, o que resultou na deportação deste e da sua família para o seu país de origem em setembro de 2015.

 

Na ação apresentada ao Comité, o autor argumentou que o Estado da Nova Zelândia teria violado o seu direito à vida, nos termos do artigo 6.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos pois, devido aos efeitos das alterações climáticas e ao aumento do nível da água do mar foi comprometido o acesso à água potável, inviabilizando qualquer atividade agrícola de subsistência, e, devido à indisponibilidade de terras habitáveis, ter-se-ia verificado um aumento dos conflitos por disputas de terras. O Comité perante os factos alegados, entendeu não ter havido violação dos direitos do autor, em virtude da sua extradição, constatando que houve uma avaliação bastante cuidadosa da sua situação pelos tribunais, pelo que a decisão de rejeição tomada não se provou ser arbitrária, manifestamente errada ou negada de justiça.

 

Esta decisão foi bastante importante e inovadora, porque o Comité veio reconhecer a aplicação do princípio da não devolução[1], como proibição de extradição de requerentes de asilo, pelos estados contratantes, quando existam motivos substanciais da existência de risco real de dano irreparável, como decorre dos artigos 6.º e 7.º do Pacto, a refugiados climáticos, enquanto meio efetivo de proteção dos direitos humanos, quando haja um risco real de violação do direito à vida devido aos efeitos das alterações climáticas. O Comité salientou que o aumento do nível do mar, incrementava o risco de tornar Kiribati inabitável, reconhecendo que, no futuro, as condições de vida naquele país poder-se-iam tornar incomportáveis, pelo que cabe aos estados recetores ter em conta os impactos das alterações climáticas na tomada de decisões de proteção destes refugiados climáticos.

 

Assim, esta problemática dos refugiados climáticos é de extrema relevância, uma vez que, ainda não existe um reconhecimento legal dos refugiados climáticos enquanto tais, competindo às altas instâncias internacionais estabelecer mecanismos de proteção legal eficaz e urgente, pois o risco de desaparecimento de certos territórios é cada vez mais elevado. E tal como foi reforçado pelo Comité, a degradação ambiental e as alterações climáticas consubstanciam uma ameaça grave à capacidade das gerações atuais e futuras usufruírem do direito à vida.

 

Bibliografia:

Decisão completa do Comité dos Direitos Humanos da ONU, disponível em: https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CCPR/C/127/D/2728/2016&Lang=en

Decisão proferida pelo Tribunal de Imigração da Nova Zelândia, disponível em: http://www.nzlii.org/cgi-bin/sinodisp/nz/cases/NZIPT/2013/800413.html?query=Kiribati

CARLA AMADO GOMES, Migrantes Climáticos: Para além da terra prometida, ICJP. Disponível em: https://www.icjp.pt/sites/default/files/papers/palmas.pdf

MANUEL CARTAXO, Refugiados Climáticos: a urgência de um reconhecimento legal. Disponível em: https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/33683/1/00199_02_manuel-cartaxo-340113091-disserta%C3%A7%C3%A3o-integral.pdf

MARGARIDA SOBRAL, Do Princípio de Non-Refoulement no Direito dos Refugiados: uma Perspetiva Internacional e Europeia. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/39800/1/ulfd135665_tese.pdf


Sandra Zacarias n.º 62792



[1] Este princípio encontra-se consagrado no artigo 33.º da Convenção Relativa aos refugiados, de 1951, também conhecida por Convenção de Genebra.

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