A LEI DE BASES DO AMBIENTE: EMBARGOS ADMINISTRATIVOS
Na nossa ordem jurídica, a Lei de
Bases do Ambiente representa um passo muito importante para a tomada de
consciência dos problemas ecológicos.
Os valores ambientais protegidos
pela Lei são os componentes ambientais naturais e os componentes ambientais
humanos e apesar de a lei não nos dar uma noção de “ofensa ecológica”, o Senhor
Professor Diogo Freitas do Amaral refere que “ofensa ecológica é todo o acto ou facto humano, culposo ou não, que tenha
como resultado a produção de um dano nos componentes ambientais protegidos por
lei.”[1]
Além disso, a lei também não
tipifica as ofensas ecológicas, mas podemos detectar nove tipos de ofensas
ecológicas, nomeadamente, a poluição atmosférica, sonora, química, hídrica, a
perturbação dos níveis de luminosidade, danificação do solo ou do subsolo,
danificação da fauna e flora e, por fim, ofensa da paisagem.
Quando alguém comete uma destas
ofensas, comete um acto ilícito e que corresponde a uma tripla ilicitude, visto
que estamos perante uma ilicitude penal, uma ilicitude contra-ordenacional e
uma ilicitude civil, no caso de haver dano produzido a alguém. Para além disso,
o “poluidor” sujeita-se às consequências postas em movimento pelo lesado ou
pela Administração Pública.
Na Lei de Bases original, de
1987, nos termos do artigo 42.º da Lei de Bases, o lesado tinha o direito de
obter a suspensão da actividade danosa, em primeiro lugar. Este artigo, sob a epígrafe “Embargos
Administrativos”, dispunha que aqueles que se julgassem ofendidos nos seus
direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado poderiam requerer que
fosse mandada suspender imediatamente a actividade causadora do dano,
seguindo-se para tal efeito o processo de embargo
administrativo.
Tipicamente, existem dois tipos
de embargos: o embargo judicial, regulado no CPC e o embargo administrativo,
que é aquela providência que as autoridades da Administração Pública podem, por
via administrativa, impor aos particulares. Na altura, o problema que aqui
surgiu tinha a ver com o facto de o artigo 45.º/1 dizer que o conhecimento das
acções a que se referia esse artigo era da competência dos Tribunais Comuns, ou
seja, tratava-se de uma acção judicial a intentar no Tribunal Comum, pelo qual
se pedia e obtinha um embargo administrativo.
A lei quis referir-se a uma acção
judicial de embargo que, no CPC, vem regulado nos artigos 412.º e seguintes. Neste
artigo estão previstas duas modalidades: a primeira é o embargo requerido por
particulares contra particulares e a segunda o embargo requerido por pessoas
colectivas públicas contra particulares.
O Senhor Professor Vasco Pereira
da Silva defendeu na altura que a consideração destes embargos administrativos
eram uma “construção de juristas”, na medida em que a Lei de Bases era incompleta
e insatisfatória, o que levava a que a doutrina tivesse de fazer um esforço e
reconstruir a intenção do legislador para que as normas ali presentes tenham
algum sentido útil.[2]
Na opinião do Senhor Professor
Diogo Freitas do Amaral, a única maneira que havia para se encontrar um sentido
útil para a disposição do artigo 42.º, conjugado com o artigo 45.º/1, era
entender que onde o artigo 42.º se referia ao embargo administrativo, o que queria
dizer era “embargo judicial de obra nova,
com o regime dos embargos requeridos pelo Estado ou pelas Câmaras Municipais”.
Ou seja, não seria um embargo objectivamente administrativo, mas sim
subjectivamente administrativo, equivalente a “embargo judicial requerido pela Administração Pública”.
No entanto, posterior a esta lei
de bases do ambiente originária, a reforma do processo civil deu um novo rumo a
este artigo 42.º. Tal como refere o Senhor Professor Vasco Pereira da silva, “a reformulação das normas reguladoras do
embargo de obra nova, parece representar uma clara intenção do legislador no
sentido de considerar que os embargos do ambiente se devem reconduzir aos meios
contenciosos pré-existentes”, sendo para isso essencial a nova formulação
do artigo 414.º do Código de Processo Civil. Parecia assim que o Senhor
Professor Diogo Freitas do Amaral tinha razão e que a vontade do legislador na
reforma referida era conferir sentido útil ao meio processual previsto na Lei
de Bases do Ambiente, fazendo-o corresponder a embargo de ora nova e a outros
meios do contencioso administrativo.
No entanto, a Lei de Bases foi
alterada o que fez com que este artigo 42.º desaparecesse totalmente da Nova
Lei de Bases. Depois de tantos anos de discussão e quando, finalmente, com a
reforma do processo civil e com a lei da acção popular, foi suprida a
inexequibilidade do conceito de embargos
administrativo, este desapareceu da nova formulação da lei.
A título de curiosidade este
artigo só se manteve nos projectos de lei do Partido Comunista Português e do
Bloco de Esquerda, nos artigos 45.º e 40.º, respectivamente.
Agora, apenas podemos encontrar a
referência aos embargos administrativos na Lei-Quadro das Contra-Ordenações
Ambientais, no seu artigo 19.º.
Este artigo 19.º dispõe que as
autoridades administrativas, no exercício dos seus poderes de vigilância,
fiscalização ou inspecção, podem determinar, dentro da sua área de actuação
geográfica, o embargo de quaisquer construções em áreas de ocupação proibida ou
condicionada em zonas de proteção estabelecidas por lei ou em contravenção à
lei, aos regulamentos ou às condições de licenciamento ou autorização. Além
disso, as autoridades administrativas podem consultar
integralmente e sem reservas, junto das câmaras municipais, os processos
respeitantes às construções em causa, bem como deles solicitar cópias, que
devem com carácter de urgência ser disponibilizados por aquelas.
[1] DIOGO
FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo
e Direito do Ambiente, in Revista de
Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, N.º 2, Março de 1996,
Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente.
[2] VASCO
PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, Almedina, 2004.
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