A natureza empresarial da criminalidade ambiental – tutela penal do ambiente
Uma grande questão do direito do ambiente contemporâneo é efetivamente punir quem não respeita suas regras. E, afinal, o que acontece se a criminalidade ambiental for de natureza empresarial?
Pensando
na atual sociedade do risco, é notório que há riscos permitidos e riscos
proibidos, houve um grande “boom” de situações de risco (o desempenho das
atividades passa a ser muito mais arriscado). Atualmente, a sociedade convive
com tantos riscos que se faz necessário, criminalmente, analisar até que ponto
se pode responsabilizar alguém (ou algo). Ulrich Beck, sociólogo alemão, é o grande
nome que analisa esse conceito. Do ponto de vista penal, surge a teoria da
imputação objetiva, que tem como objetivo restringir o âmbito da imputação. Trata-se
da sistematização de uma série de teorias relacionadas à imputação, normalmente
se atribuindo autoria a Claus Roxin. Nesse âmbito, no mundo contemporâneo,
analisando os crimes contra o ambiente, e as ações ou omissões empresariais, é
peremptório analisar se a empresa deve ser responsabilizada ou se há
enquadramento em algum dos filtros de imputação de Roxin, havendo uma constante
necessidade de ponderação de interesses.
Não
obstante, cabe relacionar o tema principal do comentário com o princípio do
poluidor-pagador. Como elencado durante as aulas teóricas do Professor Vasco, esse
princípio objetivo fundamental faz parte do constitucionalismo verde, e sua
constitucionalização mostra a sua relevância. Esse princípio se relaciona com
compensação das medidas, há, geralmente, uma dimensão financeira no princípio
em questão. É urgente equilibrar e somar políticas, sendo que, cabe citar as
sanções pecuniárias que geralmente aparecem no âmbito das contraordenações, mas
também na tutela penal. Na mesma análise, sobre o princípio, cabe elucidar o
artigo 3, D, da Nova Lei de Bases, que diz: “Do poluidor-pagador, que obriga o
responsável pela poluição a assumir os custos tanto da atividade poluente como
da introdução de medidas internas de prevenção e controle necessárias para
combater as ameaças e agressões ao ambiente.”
Em
outra análise, é preciso alertar que o direito sancionatório do ambiente é um
acontecimento recente. Ter reações que visam punir agressões ao meio ambiente
leva ao nascimento do Direito Penal do Ambiente. É necessário lembrar que o direito
penal é a última ratio, portanto, o fato de criminalizar condutas que
agridem o ambiente é uma forma de expressar que o ambiente é um valor fundamental
da sociedade. Essa noção remete à noção de bem jurídico objetivo fundamental,
com fortes interligações com a dignidade da pessoa humana. Uma reflexão
relevante trazida à tona pelo Professor é sobre a eficácia da criminalização em
questão – há efeitos positivos, de fato? Nesse comentário, além de falar em
direito penal do ambiente, pretende-se falar em direito penal do ambiente para
pessoas jurídicas, e defende-se a tutela sancionatória penal por conta de seu
forte simbolismo, por sua maior intensidade, e pelas garantias do processo penal.
O
ambiente saudável está sim incluído nos valores fundamentais da sociedade, e
faz parte da garantia da dignidade humana. Nesse âmbito, há crimes ambientais
previstos no Código Penal Português, de modo limitado. Há casos de comportamentos
mais graves que devem invocar as sanções penais. O ordenamento português
demonstra uma preferência pela contraordenação ambiental, em desprivilegio da
tutela penal, mas a conjugação adequada de ambas é necessária para a reação sancionatória
plena e completa.
Pensar
na natureza empresarial da criminalidade ambiental envolve pensar na condição
física de pessoas coletivas – não é possível privar uma empresa de liberdade.
Há, no entanto, a possibilidade de outras sanções penais. Outro dilema é a
dificuldade em estabelecer critérios de imputação da responsabilidade da pessoa
coletiva nas matérias ambientais – retoma-se a noção da teoria da imputação
objetiva e a dificuldade em estabelecer a ligação entre causa e consequência.
Em outra análise, não são poucos os debates entre a responsabilidade solidária
x responsabilidade subsidiária da pessoa coletiva e do dirigente – aqui,
coloca-se uma importante noção do direito penal, a proibição de bis in idem,
e o debate sobre o princípio da pessoalidade.
Cabe
citar, ainda, a existência da Diretiva 2008/99 do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 19 de novembro, relativa à proteção do ambiente através do direito
penal. Nos artigos 6.o e 7.o, falam-se, respectivamente, sobre a responsabilidade
das pessoas coletivas e sobre as sanções aplicáveis a elas. Diz-se que há
responsabilidade em situações “que sejam cometidas em seu benefício por
qualquer pessoa que desempenhe um cargo de direcção na pessoa colectiva, agindo
quer a título individual, quer como membro de um dos órgãos da pessoa colectiva”.
Não obstante, a responsabilidade das pessoas coletivas “não exclui a
instauração de acção penal contra pessoas singulares que sejam autores,
instigadores ou cúmplices nas infracções”.
Para
defender a tutela sancionatória penal e sua relevância em determinados casos
urgentes, não se pode olvidar que o fato de existirem crimes ambientais, mostra
que a matéria ambiental está no cerne da dignidade jurídica, é uma questão fundamental
da sociedade, e isso educa a sociedade sobre a importância do ambiente. Ainda, especialmente
no caso de empresas, a tutela penal escancara uma maior intensidade, por conta
de sua reação mais forte (é inviável que haja pena privativa de liberdade para
pessoa coletiva, mas há as sanções penais pecuniárias). Não obstante, deve-se
lembrar das garantias do processo penal, a citar a presunção de inocência e a
realização de um justo julgamento, sendo ambas garantias Constitucionais.
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