Análise do Regime Jurídico de Responsabilidade Ambiental constante do Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de julho

    A proteção do ambiente, consagrada constitucionalmente enquanto tarefa fundamental do Estado, nos termos da alínea e) do artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), consubstancia um dever fundamental de efetivação por parte do Estado (cf. artigo 66.º da CRP). 

O Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de julho, aprovou o regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais (doravante RJRA), que veio transpor a Diretiva n.º 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais (artigo 1.º do DL).

O regime da responsabilidade por danos ambientais visa essencialmente assegurar a reparação dos danos causados ao ambiente, assegurando ainda a adoção de medidas de mitigação destes danos, com o objetivo de evitar o agravamento das consequências dos danos, bem como de adoção de medidas de prevenção face à ameaça iminentes desses danos, alicerçando-se no princípio do poluidor-pagador[1] e ainda no princípio do desenvolvimento sustentável[2], colocando em prática o princípio da responsabilização. Revela-se assim as diferenças deste regime e um regime geral de reparação de danos ao ambiente, uma vez que este pretende a reparação de certos tipos de danos ao ambiente.

No que diz respeito ao âmbito de aplicação objetiva deste regime nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJRA, vem estabelecer a sua aplicação “aos danos ambientais, bem como às ameaças iminentes desses danos, causados em resultado do exercício de uma qualquer atividade desenvolvida no âmbito de uma atividade económica, independentemente do seu carácter público ou privado, lucrativo ou não, abreviadamente designada por atividade ocupacional”, excluindo deste âmbito os danos ambientais constantes do n.º 2 do mesmo preceito, nomeadamente danos causados por atos de conflitos armado, hostilidades, fenómenos naturais de caráter totalmente excecional, imprevisível ou ainda que previstos, sejam inevitáveis e ainda danos decorrentes de riscos nucleares.  Já em relação ao âmbito de aplicação subjetivo, este regime centra-se nos conceitos de operador e atividade ocupacional, salientando no seu artigo 3.º a responsabilidade em especial das pessoas coletivas, consagrando em especial a responsabilidade solidária dos diretores, gerentes ou administradores das mesmas. Estabelece-se para estas entidades uma responsabilidade objetiva nos termos do artigo 7.º do RJRA, com a obrigação de reparação dos danos resultantes de uma ofensa de “direitos ou interesses alheios por via de lesão de um qualquer componente ambiental” decorrente do exercício de uma das atividades previstas no Anexo III do mesmo diploma, que consagra desde logo um elenco de atividades reguladas atendendo à sua perigosidade ambiental e, ainda, uma responsabilidade subjetiva (cf. artigo 8.º RJRA) dependente de dolo ou mera culpa.

Este diploma vem ainda prever um âmbito de aplicação temporal (cf. artigo 35.º do RJRA), pelo que este não será aplicável aos danos decorrentes de emissões ou incidentes ocorridos antes da data de entrada em vigor deste diploma, isto é, antes de 1 de agosto de 2008, excluindo ainda a sua aplicação mesmo quando o dano se verifique posteriormente a esta data, mas quando decorra de incidentes ocorridos em data antes desta data.  

Quanto à autoridade com competência para fazer aplicar este regime jurídico às entidades é a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que nos termos do art. 14.º a 17.º do RJRA, deve atestar se a situação configura dano ambiental ou uma ameaça iminente, bem como definir as medidas de reparação destes danos que devem ser adotadas pelo operador, devendo estas medidas ser adotadas em resposta a um ato ou omissão que tenha causado a ameaça imanente de danos ambientais de forma a prevenir ou minimizar ao máximo estes danos (cf. artigo 11.º, n.º 1, alínea m) RJRA). Em caso de incumprimento por parte do operador responsável, incumbir-lhe-á ainda medidas de reparação, com o objetivo de reparar, reabilitar ou substituir os recursos naturais e os serviços danificados, bem como fornecer uma alternativa aos mesmos (cf. artigos 15.º e 11.º, n.º 1, alínea n) do mesmo diploma).

Este regime revelou-se substancialmente inovatório no plano da responsabilidade ambiental, pois veio dispor tanto numa vertente preventiva, como reparadora, uma vez que deste modo os operadores poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados pelos danos ambientais sofridos, bem como vem fixar um regime assente numa responsabilidade administrativa com vista à adoção de medidas de reparação dos danos causados ao ambiente perante toda a comunidade, cujo procedimento parte da iniciativa do próprio lesante através de submissão à APA de uma proposta nesse sentido (cf. artigo 16.º RJRA).

Sendo o ambiente um bem de todos é imperativo a existência de um regime de responsabilidade por danos ao mesmo, pois como sabemos são bastante frequentes as lesões ao meio ambiente, contudo, ainda é necessário um longo percurso legislativo e de atuação do Estado, ao abrigo dos seus deveres em matéria de proteção ambiental, para que os regimes sejam mais eficazes e eficientes, pois a legislação ambiental ainda se revela bastante deficitária.

Sandra Zacarias n.º 62792

BIBLIOGRAFIA

CARLA AMADO GOMES e HELOÍSA OLIVEIRA, Tratado de Direito do Ambiente, vol. I, 2021.

CARLA AMADO GOMES e RUI TAVARES LANCEIRO, O Regime de Prevenção e Reparação do Dano Ecológico, disponível em: https://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/ebook_danoecologico_22jul2019_0.pdf

CRITINA SEIA, A Responsabilidade ambiental na União Europeia, Da responsabilidade civil à responsabilidade administrativa em Portugal, tese de doutoramento, 2020.

VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito: Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2005.



[1] Este princípio encontra-se previsto no artigo 191.º, n.º 2 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e ainda no artigo 3.º, alínea d) da Lei n.º 94/2014, de 14 de abril (Lei de Bases da Política de Ambiente), sendo entendido comummente através da ideia segundo a qual “quem polui/contamina, paga”, ou seja, o responsável pela poluição está obrigado a assumir os custos necessário para combater as ameaças e agressões ao ambiente.

[2] Previsto no artigo 3.º da Lei 94/2014, que consagra uma obrigação de satisfação das necessidades do presente sem comprometer as das gerações futuras.

 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Parecer do Ministério Público (MP)

Deutsche Umwelthilfe eV v Freistaat Bayern (Plano de qualidade do ar e Detenção coerciva)

Acórdão do TIJ Pulp Mills (Argentina v. Uruguai)