Apreciação geral do artigo 5º do Regime Jurídico de Responsabilidade Ambiental (Decreto-Lei n.º147/2008, de 29 de julho)
Há muito que se discute o nexo de causalidade e a sua determinação no âmbito da responsabilidade civil ambiental, quer se trate de responsabilidade subjetiva ou objetiva – ambas previstas pelo Regime Jurídico de Responsabilidade Ambiental (em diante, RJRA). Se é verdade que o legislador, em certos casos, abdicou da ilicitude e/ou da culpa, mormente nas situações de responsabilidade objetiva, já não o pode fazer relativamente ao nexo de causalidade, já que é este que justifica a transferência do dano para esfera jurídica distinta daquela em que se produziu, fundamento último do instituto da responsabilidade civil, que parte do brocardo casum sentit dominus. Permitamo-nos fazer algumas considerações acerca deste pressuposto vertido no artigo 5º do RJRA, relativamente à prova do nexo de causalidade e, a montante, à sua própria determinação.
O nexo de causalidade, enquanto
pressuposto da responsabilidade ambiental, encontra-se no artigo 2º/1 do RJRA,
pressupondo que os danos ambientais ou ameaças desses danos sejam causados por
uma atividade ocupacional (qualquer atividade desenvolvida no âmbito de uma
atividade económica, independentemente do seu caráter público ou privado,
lucrativo ou não). O artigo 5º do RJRA, por sua vez, enuncia a forma como deve
ser apreciado o nexo e a sua prova.
No artigo 5º do RJRA, a lei optou
por abordar o tema probatório atenuando o grau de prova do nexo de causalidade,
assentando “num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso
ser apto a produzir a lesão verificada”, sendo certo que esta formulação difere
da expressa no artigo 563º CC. O artigo 5º do RJRA reduz a medida geral de
prova, deixa de ser a prova stricto sensu para passar a ser a “mera
justificação”, ou seja, a convicção do juiz acerca, não da verdade, mas da
probabilidade do facto.
Ana
Perestrelo de Oliveira entende que a alteração do princípio geral
vigente no direito português quanto à medida da convicção do juiz necessária
para o facto ser tido como provado, embora não seja a única nem talvez a melhor
via de solução para o problema da dificuldade de prova no âmbito ambiental, tem
a virtude de facilitar a prova do nexo causal, permitindo que a
responsabilidade civil permaneça como instrumento útil e operativo de tutela do
ambiente. Acrescenta que a responsabilidade assente na probabilidade é
eficiente do ponto de vista económico, uma vez que o lesante é responsabilizado
pelos danos que, de antemão, teria de reconhecer como consequências possíveis
da sua atuação.
Vasco
Pereira da Silva refere que recorrer às regras de probabilidade conduz a
resultados não muito diferentes dos da aplicação da regra da presunção de
causalidade.
O legislador não estabeleceu
qualquer presunção de causalidade no artigo 5º. Porém, o Tribunal de Justiça já
decidiu (no Caso C-378/08) que, em caso de poluição de caráter difuso, a
autoridade competente de um Estado-Membro pode presumir a existência de um nexo
de causalidade entre os operadores e a poluição constatada, devido à
proximidade das suas instalações com a zona poluída, salvo ilidida.
Assim, a regra é a de que incumbe
à autoridade competente a obrigação de determinar qual o operador que causou o
dano. Esta obrigação aplica-se quer na responsabilidade objetiva, no caso das
atividades consideradas potencialmente perigosas (do anexo III do RJRA), quer
no âmbito da responsabilidade subjetiva, no caso das demais atividades.
O estabelecimento do nexo de
causalidade é, por muitos – como Maria Cristina
Aragão Seia e Maria Ana Júdice
Esquível –, considerado o ponto fraco da responsabilidade ambiental.
A determinação do nexo de
causalidade pode ser impossível ou, em última instância, inútil, mesmo
recorrendo aos vários elementos que o legislador enuncia no artigo 5º, 2ª
parte, dado poderem ser múltiplas as fontes de poluição, impedindo a determinação
da respetiva contribuição, de poderem ocorrer efeitos cumulativos, situações de
concausalidade, com intervenção de fatores de natureza humana ou natural. Pode,
igualmente, ser difícil a obtenção de provas científicas e que os danos se
prolonguem no tempo e no espaço. A falta de cooperação dos operadores acresce
às dificuldades apresentadas.
Desta forma, há quem considere
que as regras jurídicas em vigor no nosso ordenamento tornam o regime da responsabilidade
ambiental praticamente inoperante, mesmo em termos de responsabilidade objetiva.
Recaindo sobre as autoridades competentes, nos termos gerais, a prova do nexo
causal, a mesma é praticamente impossível.
Não obstante o estabelecimento de
uma presunção nesta matéria poder ser considerado inconstitucional, designadamente
no que se relaciona com a presunção de inocência e ao direito a uma tutela
jurisdicional efetiva, Maria Ana Júdice
Esquível defende que o legislador, pelo menos no âmbito da responsabilidade
objetiva, relativamente às atividades que o legislador evidenciou como sendo
potencialmente perigosas, devia ter ido mais longe e estabelecido uma presunção
de nexo de causalidade. Esta opção não implicaria uma condenação a priori
do operador, a única consequência seria a inversão do ónus da prova, que se
transferiria da autoridade competente para o operador. Este teria de provar que
da sua atividade não resultou a poluição que causou o dano, ou a ameaça
iminente do mesmo. Carla Amado Gomes
considera que a inversão do ónus da prova já se pode considerar uma decorrência
lógica do princípio da prevenção, princípio que enforma todo o RJRA.
Quanto a nós, cabe questionarmo-nos
da justiça desta medida, uma vez que tratar-se-ia de impor uma probatio diabolica
ao operador. Porém, chamando à colação o princípio basilar do poluidor-pagador,
não nos podemos olvidar de que é ele quem retira benefícios e proveitos da
atividade poluente que desenvolve.
Ana
Perestrelo de Oliveira defende como forma de deteção do nexo de
causalidade que o dano ambiental é imputável ao agente, quando este
concretamente cria ou aumenta um risco não permitido (no caso da responsabilidade
subjetiva) ou um risco previsto na norma legal (no caso da responsabilidade objetiva),
e o resultado lesivo é a materialização ou concretização desse risco. A professora
entende que a solução parte da ideia de risco, através do recurso às teorias de
imputação que com ele se relacionam – como a teoria da conexão do risco – permitindo
um critério de imputação valorativamente adequado e juridicamente operativo.
Em suma, o nexo de causalidade apresenta-se
como uma “caixa de pandora” da responsabilidade ambiental: as dificuldades de resolução
através das teorias clássicas de imputação naturalistas, pelos vários operadores
e fatores que – não raramente – estão em conflito e concurso implicam que uma solução
mais adequada à realidade passe pela consideração da teoria da conexão do risco.
Havendo ainda várias divergências quanto à conciliação das várias teses de imputação,
observamos que a doutrina e o legislador não ignoram a correção que, pelo
menos, a teoria do risco pode fazer aquando do estabelecimento do nexo de
causalidade. Ademais, a eventual consagração de uma presunção de causalidade poderia,
através de um agravamento da situação do operador, resolver muitos dos problemas
que advêm deste pressuposto e permitir uma maior eficácia do regime de responsabilidade
ambiental, contribuindo para uma maior consciencialização e respeito pelo
ambiente. Este ramo carece ainda de maior coercibilidade e reconhecimento o
que, como sabemos, permite aos grandes poluidores passar “entre os pingos da
chuva”. Este é, sem dúvida, um tema que merece mais desenvolvimento, além
destas parcas considerações.
Juliana Figueiredo Reis nº63104
Bibliografia
Ana
Perestrelo de Oliveira, A Prova do Nexo de Causalidade na Lei da Responsabilidade
Ambiental in Atas do Colóquio: a responsabilidade civil por dano ambiental,
2009, pp. 173-194.
Carla
Amado Gomes / Heloísa Oliveira, Tratado de Direito do Ambiente,
vol. I, 2021.
Maria
Ana Souto Bessa Júdice Esquível, O Nexo de Causalidade na Responsabilidade
Ambiental, 2022.
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