O despertar dos anos 60. Um verdadeiro acordar?
Seguindo KISS, é consensual entre a doutrina que em 1960 tivemos o "despertar da era ecológica" da comunidade internacional. Mas esta tese reconhece que as preocupações ambientais já eram anteriores. A professora Carla Amado Gomes refere nomeadamente que no íncio do século já haviam convenções internacionais celebradas que visavam a protecção das focas, ou a preservação de certas espécies cinegéticas africanas.
Mas entende-se que acontecimentos tais como: a publicação do Silent Spring (1962), de Richard Carson, ou Environmental Revolution (1969), de Max Nicholson, a notícia da contaminação de mercúrio na baía de Minamata (Japão), o naufrágio do petroleiro Torrey Canyon, em 1967.
No contexto legislativo o primeiro grande passo deu-se em 1968 quando o Conselho da Europa emite a Declaração sobre a luta contra a poluição do ar, aprova a Carta Europeia da Água, e promove a assinatura do Acordo Europeu sobre o emprego de certos detergentes. Finalmente, ainda em 1968, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução 2398 (XXIII), de 3 de dezembro, na qual se previa a realização de uma conferência mundial para a discussão de problemas ambientais - a Conferência de Estocolmo, sendo ainda fundado o Clube de Roma.
No entanto as preocupações ambientais já eram anteriores. No primeiro século d.C. já havia leis no Império Chinês a regular a caça de pássaros e a queima de florestas. Roma Antiga tinha leis sobre o ruído e regulações sobre industrias poluentes como os curtumes. No mesmo ano da Magna Carta, foi publicada a Forest Charter que regulava o controlo das florestas do rei em que os conflitos eram decididos em tribunais próprios!
Os problemas ambientais costumam ser tragédias dos comuns pois temos um bem limitado cuja utilização não é regulada e agindo todos em interesse próprio acabam por esgotar esse bem. E as grandes tragédias dos comuns ambientais começam a surgir com a industrialização do século XIX e com o crescimento da população nas décadas seguintes. O surto de cólera, doença causada por más condições sanitárias, no Reino Unido é um exemplo desta situação. Não havendo regulações sobre como dispor da poluição, as pessoas acabavam por faze-lo da forma que lhes fosse mais conveniente, o que levou a propagação da doença. E só com estudos como o de Edwin Chadwick é que se tornou clara a necessidade de regulação sobre a poluição e sobre o acesso e tratamento de água potável. Aliás está noção da poluição como uma tragédia dos comuns já era comum como a prova a obra de Charles Kingsley The Water Babies.
Porém a existência de regulação não significa que podemos afirmar que existia um Direito do Ambiente. A regulação era exparsa e sem um conjunto de principios que a unissem. Era maioritariamente regulação redigida no seguimento de algum desastre ambiental. De igual modo não era consensual a intervenção do estado enquanto força reguladora e preventiva nesta área. O despertar dos anos 60 não foi geral. Foi um despertar, mas de um sono leve. As preocupações ambientais já existiam. O que acabou por acontecer nos anos 60 foi essas preocupações passarem a fazer parte do subconsciente colectivo. E isto deve-se a meu ver, em grande medida, aos meios de comunicação que facilitaram o acesso a informação. A grande tiragem dos livros já aqui mencionados relevou neste sentido. A televisão também mudou a forma como os assuntos eram percecionados. As pessoas deixaram de estar cientes apenas dos problemas ambientais no seu círculo imediato (nas melhores das hipóteses o país onde viviam) para passaram a ver imagens de derrames petrolíferos e ouviram falar do smog em Nova Iorque e na Califórnia.
Sendo os problemas ambientais em grande parte tragédias dos comuns, serão problemas que só são susceptíveis de correção quando toda a gente toma consciência deles. A ação de uma pessoa singular será a partida minúscula, uma gota de água no oceano. As minhas acções no contexto ambiental só se tornam relevantes quando eu tenho consciência do panorama geral. Os problemas ambientais muitas vezes associam-se a regra de polegar Kantiana "e se este modo de agir fosse a regra comum," ou seja, e se todos não reciclassem, e se todos não usassem um carro com filtros, e se todos não poupassem água, e se todos comessem carne diariamente, etc.
As minhas ações enquanto pessoa singular de direito só se tornam subjectivamente relevantes a partir do momento em que passa a haver uma consciência geral dos problemas ambientais. E a meu ver foi por isso que houve em certa medida um despertar nos anos 60. Mas este não foi um despontar de regulação ambiental. O despertar que houve só pode tomar lugar porque só aí estavam reunidas as condições para haver uma consciência ambiental global. Foi também nessa altura que começaram a haver tecnologias devastadoras do ambiente, industrias como a florestal e petrolífera, que começaram a causar danos em grande escala. Ou seja, necessidade tornou-se também mais latente nas décadas anteriores.
Só tornando as questões ambientais mais presentes é que as pessoas consentiriam que houvesse uma intervenção estatal (tanto executiva como legislativa) em grande escala.
Simão Pereira da Silva, aluno nº 62951
Fontes usadas:
Amado Gomes, C. (2022). Introdução ao Direito do Ambiente. AAFDL.
Fisher, E. (2017). Environmental law: A very short introduction. Oxford University Press.
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