Petição Inicial- Associação "Dunas sem Betão"


DIREITO DO AMBIENTE

SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO 2023

 

Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja

Exmo. Sr. Juiz de Direito

 

A Associação ambientalista “Dunas Sem Betão”, sediada em Rua Inventada n.º 2, 1234-567, Lisboa, portador do CNPJ n.º 00000000, vem, através da presente Petição Inicial, intentar contra (I)  A Câmara Municipal de Grândola, portador do NIPC 78910, com sede na Rua Tanto Faz, n.º 5, Lisboa, 9876-543, e (II) Promotor Imobiliário “Viva Verde sobre as Dunas”, com residência em Rua Infeliz, n.º 3, 1827-938, Lisboa, portador do cartão de cidadão n.º 00000001, e NIF 00000003, ação popular administrativa, o que faz nos termos e fundamentos seguintes:

 

I- DOS FACTOS...................................................................................................................................................2

II- DO DIREITO...................................................................................................................................................3

1) DA LEGITIMIDADE ATIVA PARA PROPOR AÇÃO POPULAR ADMINISTRATIVA…………………………………...................………………………………......................3

a)  DA ILEGALIDADE DO EMPREENDIMENTO POR APROVAÇÃO SEM AVALIAÇÃO DO IMPACTO AMBIENTAL....................................................................................................................................3

b) DA ILEGALIDADE DAS SOCIEDADES UNIPESSOAIS QUE VÃO FAZER O INVESTIMENTO, POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE...............................................................................................................................................5

c) DA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E EUROPEUS PELA TEORIA DO FACTO CONSUMADO......................................................................................................................................................6

d)  IMPACTOS INDIRETOS DA CONSTRUÇÃO DO EMPREENDIMENTO……..........................…….9

Anexo I.................................................................................................................................................................10

´

I- DOS FACTOS

O A. é a Associação ambiental “Dunas sem Betão”, que se trata de uma Organização não governamental ambiental (ONGA), sem fins lucrativos, que intervém na defesa, melhoria e conservação do Ambiente, especificamente das dunas.

O Empreendimento turístico “Viva Verde sob as Dunas” irá destruir 200 hectares de habitats dunares únicos, além de acabar com mais de 2km da pouca costa selvagem que ainda resta em Portugal.

Foi aceite pelo Tribunal Administrativo e fiscal de Beja, a Providência cautelar para a suspensão automática das obras, no entanto as obras retomaram de imediato após o Presidente da Câmara de Grândola ter declarado que o ” Viva Verde sob as Dunas” era um projeto de interesse público, ficando sem efeito a referida Providência.

O R (I) e o R(II) alegam a importância do novo empreendimento para o desenvolvimento económico da região, o que justificou a sua prévia qualificação administrativa como projeto com Potencial Interesse Nacional (PIN).

O empreendimento turístico é ilegal, pois foi aprovado sem avaliação de impacto ambiental, apesar de se situar numa Zona Especial de Conservação, ao abrigo da Diretiva Habitats.

O R (I) e o R (II) entendem que não se preveem futuros prejuízos adicionais para o meio-ambiente decorrentes da realização do empreendimento, pois já foram, entretanto, efetuadas «todas as desmatações e movimentações de terras».

A construção do empreendimento “Viva verde sob as dunas” vai implicar “perdas irreparáveis na fauna e flora locais”, colocando em perigo os ecossistemas dunares e zonas húmidas fundamentais do ponto de vista ecológico e ambiental.

 

II- DO DIREITO

1)    DA LEGITIMIDADE ATIVA PARA PROPOR AÇÃO POPULAR ADMINISTRATIVA

Uma ação popular, tem necessariamente por objeto, conformado pelo pedido e causa de pedir, interesses difusos[1], como é o caso do ambiente.

A Associação ambiental “Dunas sem Betão”, tem legitimidade ativa, nos termos do art.9º/2 do CPTA articulado com o art.2º/1 e art.3º da Lei 83/95, relativa ao Direito de participação procedimental e Ação popular, na medida em que se destina à proteção do bem jurídico ambiente.

10º

O art.7º/2, al. a) da Lei n.º 19/2014 de 14 de abril, que define as bases da política do ambiente vem ampliar a legitimidade processual das Associações Não Governamentais.

 

a)        DA ILEGALIDADE DO EMPREENDIMENTO POR APROVAÇÃO SEM AVALIAÇÃO DO IMPACTO AMBIENTAL

11°

Nos tempos atuais, considerando os diversos desgastes do meio-ambiente provocados pela interação humana sem a devida cautela, faz-se imprescindível a avaliação dos impactos do desenvolvimento para um avanço sustentável. 

12°

Dito isso, então, visando minimizar os impactos e buscando-se um antropocentrismo ecológico, não há como proceder com a construção de grandes empreendimentos sem a Avaliação do Impacto Ambiental (A.I.A).

13°

Sabe-se que qualquer interação entre homem e ambiente pode provocar danos irreversíveis quanto à questão da fauna e flora local. 

14°

Consequentemente, a alteração e construção imobiliária está diretamente ligada às transformações ambientais. 

15°

Posto isso, então, nota-se a necessidade de que, antes de uma grande construção - como no caso aqui exposto - seja realizada uma minuciosa e detalhada Avaliação do Impacto Ambiental, antes que os riscos de desgaste do meio-ambiente tornem-se irreversíveis. 

16°

Em Portugal, país da região em que se localiza a área do empreendimento aqui debatido, existe a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), que é conceituada como um instrumento que visa, preventivamente, analisar e estudar os efeitos no ambiente com a construção de determinado projeto.

17°

Percebe-se, desde logo, a essencialidade da AIA para que se evite a construção descabida e não sustentável de empreendimentos que afetem negativa e diretamente o meio ambiente em diversos âmbitos - como o que acontece neste, com a construção desse empreendimento.

18°

O AIA é cabível tanto para construções públicas ou particulares que possam gerar efeitos significativos para o meio ambiente e, por isso, avalia sua viabilidade ou não.

19°

De acordo com o Decreto-Lei n° 151-b/2013, são definidos critérios e limiares para a obrigatoriedade da sujeição ao procedimento de avaliação do impacto ambiental, sendo, inclusive, mais exigentes para zonas sensíveis - que inclui área protegida, como é o caso da Península de Tróia. 

20°

No Decreto-Lei, é possível ver a necessidade de ter sido realizada uma AIA para o devido licenciamento e prosseguimento da obra - consoante texto do artigo 1°, inciso 3, b) II, considerando que não houve dispensa nos termos da lei - artigo 4° do DL 151-B/2013. Ou seja, não foi solicitada e nem realizada Avaliação de Impacto Ambiental, mesmo com sua obrigatoriedade no caso em apreço.  

21°

Ante o exposto, demonstra-se a ilegalidade no empreendimento da Península de Tróia, uma vez que é uma construção suscetível a apresentar alterações ambientais e que NÃO realizou a AIA na conformidade da lei.

 

b) DA ILEGALIDADE DAS SOCIEDADES UNIPESSOAIS QUE VÃO FAZER O INVESTIMENTO, POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE 

22°

 

O projeto, devido ao fato de ter sido aprovado sem avaliação do impacto que causaria no ambiente, mesmo sendo situado em uma Zona Especial de Conservação, é entendido como ilegal pela Associação.

23°

 

O uso da declaração de interesse público efetuada pelo município de Grândola é entendido pela associação como abusiva por se tratar de um projeto altamente lesivo para o território. 

24°

 

O empreendimento sendo construído, não possui benefícios para os habitantes da cidade e demais cidadãos do país, mas sim destruir sua fauna e flora locais. 

25°

A associação considera que a Costa Azul, entre Troia e Melides, está sendo destruída pela construção de resorts e campos de golfe.

26°

 

Não é possível entender como um empreendimento turístico integrante de sociedades unipessoais com baixo capital social, se proponha a realizar tal investimento e ser considerado de interesse nacional.

27°

O projeto deve ser considerado ilegal e inconstitucional, devido ao fato de violar o princípio da razoabilidade, que determina que um particular não pode ser deixado em uma situação de sacrifício intolerável, mesmo quando existe justificação para a restrição a direitos fundamentais.

28°

 

O fato de serem sociedades com 1€ de capital social a fazer os investimentos, fere o princípio da razoabilidade.

29°

Através do art.267°, n° 5 da CRP, deve haver participação dos cidadãos na formação de decisões que lhes disserem respeito, como era o caso.

 

c) DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E EUROPEUS PELA TEORIA DO FACTO CONSUMADO

30º

A teoria do facto consumado no direito ambiental refere-se à ideia de que, em certas circunstâncias, um dano ambiental já ocorrido não pode ser revertido ou reparado, de modo que é necessário considerar as consequências práticas desse dano ao tomar decisões legais.

31º

In casu, a teoria de facto consumado viola o princípio do precaução previsto no art.66º da CRP, art.2º da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 19/2014, de 14 de abril), e no âmbito da UE viola a Declaração de Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e o Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), no seu art.191º.

32º

As políticas públicas devem promover a prevenção e a correção dos riscos ambientais.

33º

Ao vedarem a possibilidade da abertura da ação por invocação do arquivamento de coimas, impossibilitam a prevenção de riscos ambientais, violando o princípio da precaução.

34º

As pretensões do arguido da não apropriação de um litígio judicial por respeitar o empreendimento turístico, que por sua vez já foi analisado, e as compensações arquivadas, viola também o princípio da defesa do ambiente, cf. art.66/1º CRP.

35º

A teoria do facto consumado pode comprometer esse direito ao considerar que danos ambientais irreversíveis já ocorreram “efetuadas as desmatações e movimentações de terra que levou ao arquivamento das coimas” e não podem ser corrigidos, ignorando a obrigação de preservar e proteger o ambiente para as gerações futuras.

36º

 A aplicação da teoria do facto consumado viola também o princípio da participação pública. 

37º

 A Constituição portuguesa garante o direito à participação dos cidadãos nas decisões que afetam o ambiente. A aplicação da teoria do facto consumado pode limitar a participação pública, uma vez que as consequências práticas do dano ambiental já teriam ocorrido antes do envolvimento dos cidadãos no processo decisório, cf. art.3º da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 19/2014, de 14 de abril), articulado com o art.10º e art.48º, 66º, e 9º, 267/5 da CRP 

38º

O princípio de participação também tem previsão na UE, principalmente na Diretiva 2003/35/CE também conhecida como Diretiva de participação Pública e na Diretiva de Avaliação de Impacto Ambiental 2011/92/UE. Normas estas que serão violadas na desconsideração deste litígio no seguimento do argumento do arguido de exclusão de litígios que afetem o empreendimento turístico.

39º

Estes artigos destacam a importância da participação pública no âmbito ambiental, garantindo o acesso à informação e a possibilidade do envolvimento dos cidadãos na formulação de políticas e na tomada de decisões sobre o meio ambiente. Essas disposições refletem o compromisso de Portugal na promoção de uma gestão ambiental transparente e inclusiva.

40º

Outro subprincípio violado é o princípio da sustentabilidade, previsto no art.66º e 9º CRP. A valorização e proteção do ambiente, a utilização racional dos recursos naturais, a conservação da natureza e a preservação do patrimônio cultural ficam comprometidas com a aplicação da Teoria supramencionada.

41º

Ocorre também a violação do princípio de Integração da União Europeia, que procura a integração da proteção ambiental nas políticas e ações da União e respetivamente dos Estados Membros.

42º

A Teoria do facto consumado entra em conflito direto com o princípio da integração uma vez que abre a possibilidade da continuação de atividades nocivas para o ambiente. Não observando o estímulo a alternativas mais sustentáveis, os impactos ambientais são assim analisados de forma isolada e não na sua componente global. 

43º

O princípio da integração no âmbito ambiental está previsto no Tratado de Funcionamento da União Europeia, cf. art.191º/2 e art.11º do TFUE. 

44º

É de destacar ainda a violação do princípio do poluidor-pagador, previsto no art.191º do TFUE.

45º

A Diretiva 2004/35/CE, conhecida como Diretiva de Responsabilidade Ambiental, que estabelece um regime de responsabilidade ambiental para prevenir e reparar danos ambientais.

46º

Ao desconsiderar a utilidade da ação, ainda no seguimento da Teoria do facto consumado, os poluidores pelos danos causados ao meio ambiente não serão responsabilizados, consequentemente, não terão que arcar com os custos de prevenção, redução e reparação dos danos ambientais.

d) IMPACTOS INDIRETOS DA CONSTRUÇÃO DO EMPREENDIMENTO

47°

Além de todo o exposto quanto aos impactos ambientais provocados na Península de Tróia, cumpre também, ainda que brevemente, destacar o impacto na vida dos moradores da região.

48°

O Direito do Ambiente envolve vários ramos diversos e é um meio de garantia de direitos fundamentais. Assim, é necessário usá-lo também com a finalidade de resguardar o direito dos moradores da região que são usuários da natureza para garantia do seu modo de vida.

49°

A construção de um empreendimento como requerido pelos R (I) e R (II), causaria toda uma alteração no modo de vida local. É direito dos residentes ser contra a construção, considerando as alterações turísticas, patrimoniais, de forma de renda e alimentação, já que muitas dessas coisas dependem do meio ambiente.

50°

Além disso, não há cabimento uma construção nos moldes requeridos sem a concordância dos moradores, já que serão eles os diretamente atingidos. 

51°

O direito dos residentes relacionado com o meio ambiente seria atingido de inúmeras formas negativas. A alteração da qualidade de vida provocada pela diminuição da qualidade do ar, aumento do barulho - sendo que o silêncio e tranquilidade é característica do local- alteração no modo de subsistência - considerando que grandes empreendimentos afetam diretamente a flora e fauna, modificando meios de pesca, por exemplo, são apenas alguns dos transtornos que os nativos podem sofrer. 

52°

Assim sendo, não só o ambiente sofreria perdas com tal construção, mas também pessoas podem ser afetadas e ter alguns de seus direitos mitigados em nome do “desenvolvimento” e “interesse capital”. 

 

Termos em que se requer que V. Excelências se dignem a:

A) Declarar a ilegalidade da Construção do Empreendimento Turístico “Viva verde sob as Dunas”, por todos os factos supracitados.


Anexo I [2]





    

AS ADVOGADAS

ALANAN MALÚ

ISADORA ANDRADE 

KAENNE SANTANA

NÚRIA GAMBOA

ALAMEDA DA UNIVERSIDADE, LISBOA

30*******

sociedadeamigasdoambiente@gmail.com

NIPC: 3*******

ENVIADO VIA BLOGGER











[1] Cfr. Acórdão STJ de 08.09.2016, Processo 7617/15.7T8PRT.S1, “III- A tutela do interesse difuso supõe a abstração de particularidades respeitantes a cada um dos titulares, pois o que sobreleva é a proteção do interesse supra individual e a prossecução da finalidade visada com a sua criação na ordem jurídica o que prescinde da apreciação de qualquer especificidade (…)”.

 

 [2] Está em curso uma Petição Pública para levar este assunto à Assembleia da República, o que consubstancia uma prova documental, de onde reside o verdadeiro interesse público, atendendo ao número elevado de assinaturas.

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