Reflexões sobre a proteção dos animais na Constituição

 Reflexões sobre a proteção dos animais na Constituição:


A maioria da legislação atual se refere ao direito do ambiente como um direito do homem, ou seja, apresentando uma visão mais humanista, visto que se entende que esse deve ser protegido para poder manter uma condição de vida digna aos seres humanos. Essa visão fica evidente no artigo 66 da Constituição da República Portuguesa, que associa a proteção do ambiente à qualidade de vida. Nesse sentido é coerente enquadrar os animais como meio ambiente, ou seja, não ter uma separação sistemática desses na Constituição.

Faria sentido, por sua vez, separá-los se essa apresentasse uma visão mais animalista, ou seja, entendesse que os animais têm interesses e são indivíduos, o que coloca um limite ético ao que é aceitável fazer com eles. No entanto, para isso acontecer, a legislação precisaria ser revista como um todo para delimitar exatamente quais são os direitos dos animais.

Essa separação pode ser negativa ou positiva. Positiva por esclarecer os limites dos direitos dos animais na forma da lei, não deixando margem para interpretação que abre possibilidade para esse limite ser definido pelos melhores interesses do homem, excluindo, consequentemente, a possibilidade dos animais terem dignidade. Já a visão negativa desse critério é que a separação implicaria na necessidade de uma grande reforma legislativa e constitucional, para que esse assunto esteja bem esclarecido, o que é difícil acontecer no cenário atual, pois acarretaria o aumento de legislações acerca do tema ambiental, o que pode acabar por diminuir a importância que se dá a essas leis, assim como diminuir a proteção que o resto do ecossistema tem. 

Ou seja, ao trazer termos que abrangem uma grande quantidade de bens, a citar as árvores, o solo, o ar, a água, os animais, entre outros, é possível contemplar todos esses sem ser necessário diversas legislações diferentes, O aumento de legislação sobre o tema poderia acarretar a redução da relevância das leis existentes. Por outro lado, essa falta de especificidade abre uma grande margem para interpretações distintas, fazendo com que alguns dos bens jurídicos que teoricamente deveriam ser protegidos com essa legislação tenham uma proteção menor. Isso acontece pois a falta de clareza possibilita que sejam encontradas brechas no texto da lei.

Quando analisada a proposta de reforma constitucional no que se diz respeito ao tema ambiental, é necessário analisar o conceito de ambiente e ecossistema trazido pelo Dicionário Oxford, sendo o primeiro o que está em volta dos seres vivos e o segundo um conjunto formado pelas interações entre seres vivos e ambiente, como ar e solo.  

Com base nisso, faria sentido considerar os animais como protegidos nas legislações que dizem respeito ao ecossistema, visto que eles fazem parte deste. Ou seja, as legislações que possuem a nomenclatura ecossistema não deixam margem para interpretação quanto a esse aspecto. Já as que se dirigem ao ambiente (a grande maioria, como o 66, entre outros), possibilitam interpretação diversa, visto que sua definição oficial não inclui os seres vivos. Portanto, cabe pensar em uma alteração na legislação que se refere apenas ao ambiente, para esclarecer que a mesma também se destina a proteção dos animais, excluindo a possibilidade de interpretação na qual eles sejam excluídos. A criação de uma legislação específica, a meu ver, não é a melhor opção pelas razões acima citadas.

A professora Carla Amado Gomes entende que ao falar de ambiente temos incluídos os animais e a natureza, o que acredito ter sido a intenção do legislador. No entanto, alguns podem considerar que os animais não estão incluídos no conceito de ambiente por que esses são seres vivos, e não o que os rodeia. O pensamento da professora é explicitado em seu artigo “A protecção do ambiente no processo de revisão constitucional em curso”, no qual ela contesta, em parte, a proposta do partido PAN de incluir no artigo 1º o respeito pela natureza e pelos animais, entendendo que é apenas necessário incluir o ambiente.

Ao juntar natureza e animais em ambiente no artigo primeiro da Constituição, se abre a possibilidade de interpretar que as normas que façam referência ao ambiente sejam interpretadas levando em consideração também os animais. Ocorre que a ausência de uma definição mais clara, na lei fundamental, por não haver explicitado em nenhum momento que a referência ao ambiente também enquadra os animais, dá margem a conclusão (equivocada) de que eles não estão protegidos pela Constituição ou pelas leis esparsas.

Outro problema que merece atenção e pode gerar interpretação negativa que exclui os animais no termo ambiente é a falta de menção desses no artigo 66º da Constituição, o artigo referente à proteção ambiental. Uma proposta de alteração deste é feita pela professora supracitada de uma maneira que, ao meu ver, é contraditória com o seu posicionamento anterior, de que os animais estariam incluídos no conceito de ambiente, visto que a sua proposta é de que o artigo tenha como título “Ambiente, animais e clima”, o que esclarecidamente separa os três conceitos, podendo isso ser usado futuramente como base legal para não enquadrar os animais em outros artigos que asseguram a proteção ambiental.

Diante do que foi exposto, entendo que a melhor forma de assegurar o direito dos animais é incluir de forma expressa que seus direitos estão contemplados no conceito de ambiente, e não a criação de leis ou artigos separados para eles. É vital que seja revista a legislação atual, visto que, historicamente falando, legislações genéricas e sem especificidade não garantem a quantidade necessária de proteção por permitirem brechas, situação que deve ser evitada em matéria de direito ambiental, seja pela visão humanista, seja pela visão animalista.


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